É a primeira vez que evento é realizado em escola pública do DF; cerca de 2 mil pessoas participam até esta sexta (1)
Rossana Gasparini, Ascom/SEEDF
Em uma discussão acalorada, os 36 delegados do Comitê de Direitos Humanos (CDH) debateram sobre a mutilação da genitália feminina, muito realizada nas nações africanas. Somália e Ucrânia não chegavam a um acordo. Para os representantes da Somália, a mutilação do clitoris é cultural, higiênica e contribui para que as mulheres se casem mais rápido. Em contrapartida, a Ucrânia defendia que a prática diminui a mulher, que não pode ter prazer na relação sexual, causa danos psicológicos e ginecológicos, além de ser um ato de tortura.
Toda essa descrição poderia até ser de um dos comitês da Organização das Nações Unidas (ONU). Mas a discussão ocorreu, nesta quinta-feira (31), no Centro de Ensino Médio 1 de Sobradinho, e os grandes protagonistas foram os estudantes da unidade. A simulação de debates da ONU foi o primeiro CEMMundi, organizado pela escola em parceria com a Unidade Regional de Educação Básica (Unieb) de Sobradinho. A iniciativa é também a primeira realizada em escola pública do Distrito Federal e uma das maiores do país, envolvendo quase 2 mil pessoas, entre estudantes e professores.
A ideia surgiu após uma formação para professores sobre competências socioemocionais. Para colocar isso em prática, o projeto foi desenvolvido, como conta o coordenador intermediário da Unieb, Leonardo Castro de Carvalho. “Os professores queriam saber como pensar na formação integral, preparando os estudantes para o vestibular, com assuntos cognitivos específicos e um tempo escasso. Foi então que apresentamos o projeto de simulação da ONU, que trabalha todos esses elementos de forma descontraída e ao mesmo tempo séria, perpassando por diversos problemas globais e trazendo soluções para eles”.
Celenita Correia de Abreu, de 17 anos, e Yasmin dos Santos Andrade, também de 17 anos, eram as representantes da Ucrânia e da Somália, respectivamente, no debate sobre a mutilação da genitália feminina. Para Yasmin, que afirmou ser totalmente contra à prática, o desafio de defendê-la foi enorme. “Foi algo realmente difícil. Mas eu quis entrar no papel de representante da Somália. Foi uma experiência diferente. A Somália não é um país que discute muito esse assunto, então eu tive de seguir uma linha de pensamento que eles utilizam para outros temas para poder basear meus argumentos”, conta.
Já a colega de escola Celenita, no debate, esteve entre aqueles que mais tentaram argumentar contra a Somália. “Para mim é estranho ver as pessoas defendendo um tipo de tortura e um ato de ódio. Como eu me inscrevi para a Comissão de Direitos Humanos, eu entrei justamente nessa questão do ser humano. Meu argumento era: mutilar uma pessoa, independente da cultura ou do país, é algo muito triste e prejudicial em diversos aspectos”, explica.
Todos os 1700 estudantes do CEM 1 de Sobradinho participam da atividade, que começou nesta quarta-feira (30) e segue até sexta-feira, 1º de novembro. Cada aluno pôde se inscrever para uma modalidade: repórter da Agência de Comunicação da ONU; diplomata de um dos 16 comitês de debate; ou ainda expositor na Feira das Nações. O CEMMundi contou também com a presença de alunos de relações internacionais de diversas faculdades do Distrito Federal, que realizaram o papel de moderadores dos debates.
Para o diretor do CEM 1 de Sobradinho, Rafael Urzedo, a simulação proporciona para os estudantes maior autonomia dentro de sala de aula, na vida futura e no ambiente familiar. “Procuramos viabilizar para nossos alunos formação intelectual e cidadã. Nesse sentido, com esse projeto estamos trabalhando a tolerância, o respeito às opiniões contrárias, a habilidade de argumentação, a elegância do debate. É isso o que a escola pública precisa e deve fomentar”.
Enquanto os delegados debatiam, a Agência de Comunicação do CEMMundi registrava todos os acontecimentos. Os cerca de 200 estudantes que se inscreveram para a modalidade foram divididos em grupos de coberturas jornalísticas diferentes: jornalismo escrito, com publicações em blog; jornalismo televisivo, com produções audiovisuais que serão divulgadas na unidade; e publicações em tempo real nas redes sociais, especificamente no Instagram – @simulacaocemundi e @cemundiac.
Professores de linguagem acompanhavam cada passo dado pelos estudantes na cobertura do evento. A professora de português Patrícia Machado Portela, que já trabalhou em uma produtora de vídeos, deu dicas de iluminação, enquadramento, edição. Mas o foco principal foi a criatividade: “As captações foram feitas pelo celular e quisemos deixar os alunos bem livres para serem criativos nas reportagens”, diz.
A dupla de audiovisual Pedro Henrique e Rafael Silva, ambos de 15 anos, escolheu a modalidade por motivos diferentes. Pedro já tinha experiência com edição de vídeo e acreditava que poderia se aperfeiçoar ainda mais com o desafio. Já Rafael, achou que seria mais tranquilo, não teria de falar em público. Mas não foi bem assim: “Tive que perder a timidez para conseguir fazer as entrevistas”, confessa.
O CEM 1 de Sobradinho é uma escola referência quando se trata da inclusão de estudantes com algum tipo de necessidade especial. E no CEMMundi não poderia ser diferente. Os estudantes da Sala de Recursos – autistas, deficientes intelectuais, deficientes múltiplos e físicos – tiveram um stand de exposição só para eles.
Cada um retratou com desenhos ou gravuras um dos artigos da Declaração de Direitos Humanos. Diego Renato, de 16 anos, que é autista, normalmente tem dificuldades de interagir e de se comunicar. Mas na exposição, explicava para cada pessoa que entrava sobre o trabalho que ele e os colegas de classe fizeram.
Além de participarem da Feira das Nações, os estudantes da inclusão também marcaram presença nos comitês. Cerca de 20 alunos surdos debateram nas comissões, com a ajuda de intérpretes e participaram da Feira das Nações.