Jéssica Antunes e Emanuelle Coelho, Agência Brasília
O prato dos estudantes do Distrito Federal está mais saudável. Neste ano, aumentou em 82,43% a distribuição de frutas e hortaliças nos cardápios das escolas públicas da capital. Na soma anual, são cerca de 4,5 toneladas a mais na alimentação escolar e 60% provenientes de agricultores familiares do quadradinho. Também cresceu a oferta de proteínas in natura, enquanto diminuiu drasticamente a oferta de biscoitos e foi extinta a presença de sucos concentrados. A mudança, verificada em todas as modalidades de ensino, se dá a partir de uma administração orçamentária mais equilibrada.
Segundo a Diretoria de Alimentação Escolar (Diae) da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal (SEE/DF), todas essas modificações foram possíveis graças a uma melhor gestão de recursos e de execução de repasses. Isso permitiu assinaturas de contratos com fornecedores de proteínas frescas e da agricultura familiar da capital e do Entorno, com fortalecimento da política de aquisição dos produtores locais.
“A alimentação escolar vem evoluindo e a gente conseguiu fazer várias modificações por conta de melhorias no controle de estoque e de maior orçamento disponibilizado para alimentação”, explica a diretora de Alimentação Escolar da SEE, Kellen Pedrolo. “Com isso, conseguimos fazer várias gestões, o que permitiu otimizar a utilização dos nossos recursos na aquisição de gêneros mais saudáveis e ampliar a compra de agricultura familiar”.
Nas escolas da capital, foi registrado chegou a 43,1% o índice de diminuição de biscoitos industrializados a chegar aos estudantes. A projeção é de uma redução de 690 toneladas ao ano de alimentos pobres em nutrientes, em comparação a 2018. Já a carne fresca, in natura, aparece mais na alimentação. Isso porque são 63,3% menos produtos enlatados no cardápio e mais 64,5% das carnes “de verdade” nos pratos – até o fim do ano, serão mais 1,6 mil toneladas nos colégios.
Atualmente, todos os alimentos são aproveitados – como os talos de couve, que se transformam em ingrediente para sucos verdes. A quantidade de sucos industrializados, a propósito, foi zerada, enquanto 119.800 litros ainda eram adquiridos no ano passado.
Os dados do Programa de Alimentação Escolar do Distrito Federal indicam que o aumento da oferta semanal de frutas, verduras e legumes ocorre em todas as modalidades de ensino se comparados os cardápios distribuídos em 2019 aos de 2018. O crescimento foi de 54% nas escolas que fornecem uma refeição por dia; de 96,89% naquelas com dois pratos diários; de 47,89% nas instituições de ensino especial; de 69,19% no ensino – com três refeições – e de 80,15% nas creches.
Para este ano, o investimento é o maior no total em contratações realizadas, especificamente da agricultura familiar, para alimentação escolar no DF. Serão investidos R$ 18.923.494 na aquisição de 30 produtos – 55% a mais que os R$ 12 milhões contratados no ano passado, após reajuste do Tribunal de Contas da União (TCU). A estimativa para o fomento da economia local é que, a cada R$ 1 investido na economia, R$ 3 retornem em contrapartida. Assim, a perspectiva é que R$ 56,7 milhões retorne neste ano. A ampliação do programa foi possível a partir do aumento de 35% no valor repassado pelo governo federal ao GDF.
Agora, todas as 669 escolas públicas do DF recebem os produtos – até 2018, eram 397. É a primeira vez na história do Distrito Federal em que todas as unidades de ensino serão abastecidas por gêneros oriundos da agricultura familiar. São 946 agricultores participantes do programa, com quase 3,8 mil pessoas diretamente envolvidas. Também é maior a rede de apoio, que aumentou de 12 para 16 a quantidade de organizações rurais envolvidas, além da tradicional parceria com Secretaria de Agricultura, Abastecimento e Desenvolvimento Rural (Seagri) e com Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater).
No Núcleo Rural Rio Preto são produzidos itens que compõem a merenda escolar dos estudantes de Planaltina e de Santa Maria. De tudo se compra na região: abacate, abóbora, abobrinha, alface, batata-doce, beterraba, salsa, brócolis, cebolinha, cenoura, chuchu, coentro, couve-flor, repolho, couve-manteiga, espinafre, inhame, limão, maracujá, pepino, pimentão, tangerina-pocã, tomate e vagem. Para garantir o fornecimento, os produtores montarem uma associação e uma cooperativa, que conta com 127 integrantes. Ao todo, são 14 toneladas de produtos por semana.
Ivan Engler é um desses produtores. Ele fornece, em média, 600 kg de maracujá por semana. O convênio garante a estabilidade de preços e vendas destinadas aos produtores da região. “Já sei a quantidade que vou vender, daí posso fazer um planejamento de quanto tenho que produzir, e que faço a mais, posso vender nas feiras”, revela Ivan. A renda da família é toda originada pela chácara de 11 hectares em que ele vive com a esposa, uma filha e um enteado.
Além de garantir a compra dos produtos, a Secretaria de Agricultura também ajuda no plantio. A maior parte do maquinário utilizado é oferecido pelo órgão também por meio de convênios com as cooperativas. Estão nos acordos grade aradora, arado, encanteirador, distribuidor de calcário, caminhão baú, plantadeira de mandioca e kit de enfardamento de feno. A Emater-DF também presta assistência e dá orientações para quem tiver interesse. “O governo está nos dando a enxada, ensinando a manusear e comprando nossos produtos”, pontua Ivan.
Quase nove mil pessoas estudam à noite, após um dia inteiro de trabalho, para poder concluir a formação. São 8.866 adultos que voltam à sala de aula para fechar o ciclo de ensino em 34 escolas do Distrito Federal. Nesses locais não é servida merenda, mas um cardápio reforçado – muitas vezes, um jantar completo. Segundo a Secretaria de Educação, isso é possível porque a melhoria nos investimentos feitos pelo GDF permitiu o rearranjo dos cardápios e a oferta da refeição.
“Esse tipo de refeição na escola faz com que o aluno tenha segurança alimentar no ambiente escolar, faz com que consolide a aprendizagem; consequentemente não há evasão”, avalia Kellen Pedrolo. A gestora conta que a maioria dos estudantes é formada por adultos que trabalharam durante todo o dia e, à noite, persistem no objetivo de estudos. “É garantia de um bom final de dia, de trabalho e de aprendizagem digna, com aporte nutricional adequado para que a pessoa possa ter condições adequadas de permanência e consolidação do que aprendeu”, avalia.
Além do ganho nutricional, há fomento econômico e da produção rural local, reconhecimento da atividade agrária e valorização do alimento desde a origem. Da agricultura familiar, saem produtos nutritivos e com menos danos sofridos desde o plantio até a entrega, já que não é praticado o uso de pesticidas e o tempo de transporte é curto.
O supervisor pedagógico do Centro Educacional 02 de Brazlândia (CE 02), Adiron Raynes Castro, diz que, analisando o perfil socioeconômico dos estudantes da EJA, eles dependem desse lanche. “Não há rendimento do alimento sem uma merenda reforçada; é indispensável”, destaca. Na instituição de ensino de Brazlândia, há seis turmas dessa modalidade. Ao todo, 200 alunos estão matriculados. Para alimentar tanta gente, são necessários, em média, 20 kg de carne e 7,5 kg de arroz.
Duas merendeiras preparam, com carinho, a refeição dos estudantes. Ivonete Santos, 44 anos, é uma delas, e revela: “Faço com amor. Procuro sempre fazer o melhor, o mais gostoso possível. É como se eu estivesse fazendo a comida da minha casa, para o meu filho. E é muito bom quando eles dizem: ‘tia, está muito bom’”.
Ivonete conta que o sabor das refeições ganhou um incentivo especial quando a escola começou a receber mais especiarias para o preparo dos pratos. “Antes era só sal e óleo; agora, além das verduras, temos temperos, salsa, cebolinha, pimentão e alho.” Neide de Moraes, 42 anos, ajuda Ivonete a preparar a comida e garante: “Os temperos dão um toque especial”.
Os estudantes fazem fila para receber as refeições. O aposentado Domingos Pereira de Sousa, de 72 anos, sempre garante seu prato. “A merenda é bem gostosa e me ajuda a conseguir ficar até o final das aulas”, diz. Morando no Distrito Federal desde 2013, ele escolheu o Incra 8 para seu endereço. Há dois anos, voltou a estudar e cursa o terceiro ano do ensino médio na modalidade EJA, com previsão de formatura em julho próximo.
Domingos sempre foi trabalhador rural no Maranhão, de onde veio. “A coisa melhor do mundo é estudar”, comemora. “Hoje consigo entender melhor as coisas, tenho mais informação e fiquei mais curioso também. Trabalhei muito na roça e não tinha tempo para estudar. Precisava plantar, colher, vender os produtos na feira e ajudava meu pai a fazer cachaça. Na época, fiz somente até a quarta série.”
Desempregado, Matheus Malheiro, de 19 anos, morador do Setor Habitacional Cascalheira, em Brazlândia, também considera a refeição importante. “Quando chega a hora da merenda, já estou com muita fome”, comenta.“É uma alimentação bem reforçada, e é bem melhor que comer besteiras.”
Erinelson Lopes da Silva, de 21 anos, é auxiliar de serviços gerais e trabalha oito horas por dia. Após a jornada, é hora de ir para o CED 02 de Brazlândia, onde cursa o segundo ano do ensino médio EJA. A merenda escolar é sua terceira refeição do dia. “Quando chego à escola, já estou com fome, e, se não fosse a merenda, não conseguiria assistir às aulas até o final”, revela.