Alunos com altas habilidades podem contar com atendimento diferenciado na rede de ensino público
Emanuelle Coelho, Agência Brasília
Fome e sede de conhecimento. Vocabulário extenso, curiosidades e extremo senso de humor. Já imaginou um menino de nove anos construir um carrinho movido a luz solar ou até um veículo com arduíno (controlado via Bluetooth) e explicar, com riqueza de detalhes, o funcionamento da pequena máquina? Essas são as crianças com altas habilidades.
O criador do carrinho é Davi Possidônio Zerbato. Indagado sobre a profissão que quer seguir, responde: “Ainda não decidi, talvez astronauta ou inventor”. Ele é aluno da turma de atendimento educacional especializado para estudantes com Altas Habilidades e Superdotação (AH/SD), na Escola Classe 411 Norte.
Para celebrar o Dia Internacional da Superdotação – 20 de agosto –, a equipe da Agência Brasília acompanhou uma aula com esses alunos. A professora Flávia dos Santos, especialista em Altas Habilidades e Superdotação e psicopedagoga clínica institucional, trabalha há mais de 12 anos nessa área. Ela pontua que o Distrito Federal é pioneiro em atendimento a alunos superdotados.
“[Os alunos] pensam muito e têm capacidade cognitiva que extrapola o esperado para a faixa etária”, explica Flávia. “São perfeccionistas e fazem parte de um grupo heterogêneo com traços incomuns. As crianças com habilidades avançadas possuem um conhecimento mais profundo que outras da mesma faixa etária ou até mais velhas, uma excelente memória, com autocobrança excessiva. São perfeccionistas, possuem hipersensibilidade sensorial e são questionadores. Se você prometer algo, tem que cumprir, pois eles vão lembrar depois e gostam de pessoas que honram as palavras. Trabalhar com superdotados é aprender.”
Por serem estudantes com capacidade mental significativamente acima da média, demandam uma metodologia de ensino diferente, um modelo de enriquecimento escolar que prevê atividades distintas. As aulas acontecem uma vez por semana, no contraturno escolar. Em média, cada estudante permanece nas turmas de três a cinco anos. No local, podem desenvolver suas habilidades e se aprofundar nos assuntos de que mais gostam.
Flávia alerta que é um mito pensar que os alunos com habilidades especiais não requerem atendimento diferenciado. “Precisam ser cuidados”, ressalta. “Superdotados não sabem tudo; eles também erram, mas têm habilidades para aprender, principalmente na área de [seu] interesse”.
Nessa turma, todos se destacam. Com oito anos, Samuel Roncaratti redigiu um trabalho – chamado de expedição pedagógica – em que conta a vida do pintor Leonardo da Vinci. Já Pedro Simons Ribeiro, de seis anos, usando um lápis e caixas de leite vazias, fez uma maquete sobre as primeiras escadas rolantes da Terra. Ele cursa o segundo ano e é um caso de avanço escolar. Manuela Rodrigues, de 11 anos, aprendeu a falar inglês pelos jogos de videogame e diz sentir-se muito bem com sua condição.
Já Luiz Henrique Soares Vasconcelos, de dez anos, diz que quer ser designer automobilístico. O dom avançado foi primeiramente detectado por uma tia que é psicóloga. “Daí fiz os testes e descobrimos”, conta o pré-adolescente. “Nem sabia o que era ser superdotado. Até hoje não sei bem o que é, mas sei que tenho conhecimentos elevados”.
A espera por uma vaga na turma durou dois anos. Há dois meses na escola, Luiz Henrique tem um caderno onde escreve tudo que pesquisa sobre os automóveis. “Quero criar um canal no Youtube e falar sobre isso”, anuncia. Ele diz que não comenta sobre suas habilidades com outros colegas – somente a família e o melhor amigo têm conhecimento de sua situação. “Acho que é meio chato, vão achar que sou exibido”, imagina.
Atualmente, a rede pública de ensino do Distrito Federal atende 1.745 estudantes com AH/SD. São 65 Superintendências Regionais de Ensino (SREs), com 61 professores especializados no assunto.
Segundo a gerente de Educação Inclusiva da Secretaria de Educação (SEE), Onilia Cristina de Souza de Almeida, o Atendimento Educacional Especializado (AEE) proposto para os estudantes com altas habilidades/superdotação tem fundamento nos princípios filosóficos que embasam a educação inclusiva.
“O objetivo é capacitar profissionais da educação para a identificação dos estudantes que demonstram potencial elevado em qualquer uma das seguintes áreas: intelectual, acadêmica, liderança, psicomotricidade e artes, isoladas ou combinadas, além de potencial criativo, desenvolvimento na aprendizagem e na realização de tarefas em áreas de seu interesse”, explica.
Onilia especifica que o referencial teórico-metodológico adotado no atendimento especializado se espelha no Modelo de Enriquecimento Escolar, estudo desenvolvido por Joseph Renzulli (Universidade de Connecticut-EUA), que sugere uma pedagogia aplicada ao aprofundamento e ampliação de conteúdos em diversas áreas do conhecimento.
Renzulli considera que os comportamentos de superdotação resultam de três conjuntos de traços: habilidade acima da média em alguma área do conhecimento (em relação aos pares da mesma idade e origem social e cultural), comprometimento com a tarefa (implica motivação, vontade de realizar uma tarefa, perseverança e concentração) e criatividade (pensar em algo diferente, ver novos significados e implicações, retirar ideias de um contexto e usá-las em outro).
O atendimento especializado é feito em uma sala de recursos, com professor especializado e planejamento de atividades específicas. O objetivo é aprofundar e enriquecer o processo de ensino e a aprendizagem, bem como e o estímulo do potencial criativo do estudante com altas habilidades/superdotação.
Localizadas em 25 escolas-polos em todas as 14 regionais de ensino, as salas de recursos atendem aos estudantes oriundos das Unidades Escolares (UE) públicas e da rede particular, na proporção de 70% das vagas para a UE pública e 30% para a rede particular.
Os estudantes são atendidos nos períodos matutino ou vespertino, durante cinco dias da semana, sempre no contraturno das aulas. Cada turma tem uma equipe multidisciplinar à disposição, composta por professores especializados, professor itinerante e psicólogo. O cadastro para a classe é realizado mediante ficha de indicação específica do atendimento de altas habilidades, que pode ser preenchida pela família ou pelos professores.
Nas salas são desenvolvidas atividades em artes plásticas, artes cênicas, música, linguagens/ciências humanas, exatas/ciências naturais e robótica. Nesses espaços se desenvolvem diversos projetos e parcerias. As superintendências regionais de ensino de Taguatinga e Sobradinho, por exemplo, promovem projetos de informática e robótica por meio de parcerias. Muitos estudantes atendidos já receberam prêmios distritais e nacionais na sua área de habilidade.
Todos os professores que atuam nas superintendências regionais de ensino são especializados no atendimento aos estudantes AH/SD. Anualmente, a Diretoria de Educação Inclusiva da SEE realiza bancas de aptidões para selecionar os professores da rede que pretendem atuar nessas salas.